Vivi um tempo pensando estar ali para sempre.
O relógio girou os anos, como se soubesse de cor os dias que pensava serem meus.
Os passos eram os mesmos e as vozes reconhecidas e, algumas, gastas,
vestiam-se com os defeitos e as virtudes que aprendeste a reconhecer.
Um dia, a roda do tempo encravou,
só no teu tempo.
Sussurrou ser tempo a mais e estar adormecido.
Sacudiu o pó que limpaste todos os dias
para desarrumar o trilho que deixaste pisado, porque fora sempre o mesmo.
Leste: "rua sem saída".
Olhaste ao redor e a paisagem, verde fixo, que fora sempre a mesma, pintou-se de cinzento.
O sol não deixou de brilhar.
Só deixou de focar o sítio que já era teu, sem ser teu.
Abriu-se uma nova estrada e sentiste que
eras estranha.
Intrusa numa vida que deixara de ser agendada.
Envelhecida, mas ainda não gasta.
Entorpecida, mas não tolhida.
Míope, mas não cega.
Por isso,
Abriram-se pontes e viste horizontes.
Os sapatos incómodos deram lugar aos pés libertos, que puderam conhecer solos novos.
Os medos não eram mais do que tremores,
os mesmos que sentes quando, no início, caminhas às cegas.
Depois habituas-te, porque restam-te os outros sentidos:
as mãos para tocares e os ouvidos para te alertarem.
Prossegues nesse caminho ( que não era labirinto)
e abres a janela que te batiza em luz.
Foram-se os medos,
não eram mais do que imagens criadas pela imaginação.
A vida dá-te horizontes e gente e pontes para passares.
O tempo foi embusteiro,
roubou o passado que nunca te pertenceu na totalidade.
Ficou para trás, vivido, adormecido, mais tarde, talvez para recordar.
O presente dá-te páginas brancas para pintares.
(Celina Seabra)
Comentários
Enviar um comentário