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Haja quem me ouça

Vinte e três anos ao serviço de alguém, a descontar para a Caixa Geral de Aposentações, a não fugir ao Fisco ( porque o " peixe-miúdo" não tem como fugir), a não faltar ao serviço, a evitar Baixas Médicas ( nestes anos todos, conto duas: uma quando nasceu o meu filho - a licença de maternidade -, outra por doença, porque a febre impedia-me de lecionar), a evitar idas ao médico de família, a tolerar provocações de alunos mal-educados que só estão na sala de aula, porque são obrigados e só desejam falar de assuntos ligados à idade destes: raparigas, bebidas, sexo, noitadas, motos, carros, jogos, vícios...
A ignorar rispidez, palavrões ( e estão na moda! Até a " fina flor" os diz), falta de etiqueta - por que nunca ouviram falar disto e a única etiqueta que conhecem é a da marca que vestem -, a educar ( e a minha função deveria ser a de ensinar), a elevar a voz até gritar, enrouquecer, porque os pais ou encarregados de educação não sabem o que é viver com meninos destes que nos fazem enlouquecer. 
O Ministério da Educação exige qualificação e as estatísticas de sucesso escolar são muito importantes para os senhores governantes. Se saem iletrados ou não, o importante é terem um diploma qualquer na mão!
Em vinte e três anos, deixei cair muitas lágrimas, desanimei, angustiei, adoeci, preocupei aqueles que não mereciam ver-me assim: a MINHA família... porque os professores, também, têm família.
Procurei o médico, o psicólogo e até fiz terapia.
Tudo fui levando e o tempo foi passando, pois, felizmente, há meninos que também são um encanto e ninam as nossas almas , vão-nos escutando.
Também ri, também sorri, também investi, também amadureci, também amei quem nunca foi meu.
Aconselhei, escutei, argumentei e defendi quem, se calhar, nunca pensou em mim.
Nunca bati.
Porém ,sofri.
Hoje o que me resta é a rua que nunca foi minha.
A empresa onde sofri e ri e p´ra qual também contribui, diz-nos que o que nos resta é o fim.
Para mim, para ti, não há compensação, nem um ato de gratidão.
Sou professora, senhores!
Não sou nada, senhores...
Qual foi o meu erro?
Ter abandonado o ensino público para ficar junto da família?!
E então, ainda existia o paralelismo pedagógico. 
Mas fui ficando, trabalhando mais horas, continuei a ensinar, a educar, a estimular, a corrigir, a labutar.
E ao contrário daqueles que acham que os professores que lecionam em escolas com contrato de associação são uns " senhores doutores", enganam-se, pois não sabem o que é pressão nem ensinar cinco ou seis níveis diferentes a diversas turmas com serenidade e paixão.
Também não sabem que greves em vinte e três anos nunca fizemos e ao contrário dos professores do público à correção dos exames nacionais sempre estivemos. Mais! Quando Greve se fazia nestes dias, em vez de vinte provas, cinquenta me atribuiam. E porquê? Porque os professores " de primeira" podem através da greve evitar esta canseira.
E de reduções de horário, quantas vezes usufruí? 
Apenas uma vez porque um bebé veio ser meu querubim.
A insatisfação de uns é a alegria dos outros e os senhores governantes e todos os ignorantes devem estar felizes porque, finalmente, os "setores de segunda" voltam à roleta da sorte ou do azar e aos desempregados se vão juntar.
E os meus colegas, senhores professores - com um diploma parecido com o meu -, com menos qualificação e com menos tempo de serviço, veem-se estabilizados com o nosso prejuízo!
Para a indemnização não pagar, o patrão alega dinheiro faltar... Contratos suspensos e redução de ordenado é o que está a dar!
Na escola pública voltarei a ingressar, mas e vagas para eu poder ensinar?
Senhores governantes, o que fazer agora se casa tenho de pagar e ao IMI não poderei faltar?
Carro não compro há dezassete anos, mas os senhores trocam frequentemente e são soberanos.
Os meus descontos para a Segurança Social e para a Caixa de Aposentação, comida e abrigo aos outros estão a dar. E a mim quem me vai ajudar?
Vícios não possuo, mas vejo quem não trabalha governar-se na rua, enquanto eu a laborar, na classe média baixa me incluo.
Se um peixe grande desse para alimentar mil pequenos, a lei da vida seria a racional e a mais funcional. Porém, o peixe grande come mil pequeninos e isto sim, é ser cretino! 
Será este o meu destino?
O rico come, o pobre sobrevive.
A História fez-se à custa do povo trabalhador, porém quem nos governa não é uniformizador.
Que soluções? Que regalias atribuem à massa que labuta e que os políticos escuta?
Metamorfoseiam a verdade e abraçam a bondade de quem acredita na exequibilidade.
Desilusão, medo, preocupação, habitam agora o meu coração. Sem trabalho e ordenado, sinto-me desconsiderada.  
Sou velha para trabalhar, nova de mais para me reformar... A vida, pelos outros,terei de recomeçar...
Talvez uma alma honesta e boa ouça a minha oração e me estenda a sua mão.
Por enquanto, escrever o que sinto é uma fuga ao labirinto...
( Estrelinha)

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