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Criança triste

 Criança que olhas mais além, temo os teus pensamentos e a tua evasão.

Não brincas,

não te limitas a ser,

 a fazer só, simplesmente,

 sem pensar...


Não és criança,

 ainda que o teu corpo o seja e as primaveras que carregas lembrem o mundo.

Temo o teu silêncio e o teu olhar triste, que questiona o Futuro que ainda não é teu.

É um olhar sem sorriso, infeliz,

e até, vazio.

Em ti paira já a doença da época: 

                                                a depressão,

                                                a tristeza inexplicável,

                                                a melancolia de não encontrar sentido na tua vivência,

                                                um cansaço abatido que tolhe as tuas asas e não te deixa voar.

A sociedade vestida a fingimento tocou-te a mácula da alma que deveria permanecer infantil, ainda.

Os pesadelos dos que te rodeiam enredam a tua inocência.

Deixaste de tecer a tua trama como se te faltasse fio ou tivesses perdido o que era essencial.

Viste o que te era proibido ver e, por isso, questionas o universo que palmilhas há pouco.

As pedras roubaram lugar às flores que permaneciam no canteiro e não as consegues contornar. 

Aumentaram de tamanho como se tivesses tomado a poção mágica do crescimento!

As histórias de encantar desvaneceram-se e as séries enigmáticas, filosóficas, até, embrulharam-te numa infinitude de questões doentias.

Tenho medo dos teus silêncios prolongados, criança!

Os teus suspiros são chuva que esfriam a minha atenção.

Afastaram os cortinados da tua janela para que o sol passasse, mas colaste nuvens nos vidros transparentes.

E isso não é normal...

Onde está o teu riso natural e cativante?

Onde escondeste a tua serenidade 

e os sonhos onde estão?

Vestiram-te de adulto a fingir e esqueceram-se de te abraçar.

A vida lembra-me
e uma montanha russa e tu chegaste com ela já em plena velocidade.

Deixaste o carrossel musical e mergulhaste num rodopio do qual, melhor seria te afastares.

O teu silêncio preocupa-me, sabes?

Que desilusão cabe no teu coração?

Temo a tua escuridão e quero muito, dar-te a mão.

Ouve, não estás só!

És criança, 

vive,

 deixa para mim a tua preocupação.


(Celina Seabra)


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