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Salvador era um miúdo traquinas, por isso era o “ai, Jesus” lá de casa.

A mãe vivia inquietada desde o seu nascimento precoce. Primeiro, foi a incerteza de vê-lo sobreviver. Era tão pequenino e tão frágil que temia pegar-lhe. Porém, a primeira vez que ele lhe agarrou o dedo anelar, sentiu-lhe a sua força interior. Prometia-lhe lutar para ficar ao seu lado. E assim aconteceu. Salvador cresceu em energia e boa disposição.

Não temia o perigo e, para si, “o fruto proibido era o mais apetecido”! Por isso, se entregava a brincadeiras e a desportos radicais. Surfava a onda mais alta, para poder atingir o céu – dizia ele à mãe, sempre cautelosa com o rebento. - Experimentava o parapente para desfrutar da sensação de voo que cobiçava às aves. Trepava aos pinheiros, porque os esquilos convidavam-no a ver o mundo lá de cima. E sonhava esquiar os Himalaias. Nunca vira neve, por isso imaginava-a fresca e macia, como o leite e o açúcar em pó que a mãe usava para cobrir os bolos.  Queria tanto crescer, para chegar à mais alta cadeia montanhosa do mundo que, frequentemente, sonhava com este destino, já tão bem conhecido das leituras e pesquisas exaustivas, feitas ao lugar (sem sair do lugar). A mãe temia estes impulsos juvenis e tentava incutir-lhe razão. Dizia-lhe que deveria ser mais contido, estudar com maior as disciplinas que lhe eram ensinadas na escola e pensar num futuro profissional. Mas lá no fundo, ela sabia que aquele filho estava destinado a grandes voos, que não lhe pertencia e que dentro de si habitava um deus que viera para usufruir da vida que nele brotava.

 

(Celina Seabra)

 

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