“Quando eu crescer não quero ser velha.”
Sim, quando não puder tomar conta de mim,
quando não me puder defender, quando calarem a minha voz, quando não puder
fazer a minha higiene pessoal, quando não me puder vestir ou calçar, quando não
me reconhecer enquanto pessoa... Não quero ser velha.
A sociedade é
narcisista e vive da aparência e de uma solidariedade postiça a que chamo
egoísmo.
Os sentimentos
afloram a partir da necessidade de cada um e deixou de fazer parte da
construção pessoal. Cansamo-nos facilmente dos outros e, às vezes, até de nós.
A compaixão
vive amedrontada, porque ser bom, subserviente de uma causa implica coragem e
determinação. Hoje é mais fácil não nos preocuparmos com os outros e este
sentimento começa já nas nossas casas.
Trabalhamos o dia todo, cumprimos horários
saturantes, carregamos os filhos para atividades que antes pertenciam aos Jet
7, mas que hoje são vulgares entre todos, sacrificamos horas, preocupamo-nos
com as contas, com os impostos que fazem de nós gente rica, porque ter casa
própria já é ser rico neste país; esgotamos os nervos, recorremos aos
ansiolíticos e entregamo-nos, tantas vezes, às depressões que se tornaram a
doença do século. E deixamos de ter tempo para o pai, para a mãe, para os avós
que acabaram por ter que ser encaminhados para um lar (o eterno paraíso) ou
para os cuidados paliativos. E o pai e a mãe terão também o mesmo destino
quando passarem a ser velhos e desnecessários e, mais tarde nós também...
Por isso, não quero
envelhecer.
Tenho medo das
notícias que ouço todos os dias e que poluem a mente e a alma. Enlutam o meu
semblante que procura o equilíbrio e a paz cósmica. "Idoso" ou
"Idosa" agredidos em Lar de Idosos. Enfermeiros que se socorrem das
desculpas para não arcarem com as culpas. Auxiliares que empurram, magoam,
agridem física e verbalmente quem não se mexe, porque perdeu a locomoção e, por
vezes, a razão. Diretores, presidentes, patrões, importados apenas com os
“avolumados “tostões.
Pergunto: será que há
uma idade em que o Respeito deixa de existir?
Quando um idoso ou uma
criança se queixa não devem ser ouvidos?
Porquê?
Há uma frase do povo
(um sério provérbio!) que gravita na minha consciência, colada há muito, não
com cuspo, mas a letra vermelha e que respeito e repito, não só para mim, mas, também,
a ensino aos outros: "Filho és, pai serás, como fizeres, assim o
acharás.” E recordo a história que o meu pai sabe tão bem contar: a do
filho que leva o seu velho pai moribundo para o alto de uma montanha, para ali
o deixar, como era hábito, então, naquele local. Levou com ele uma manta para
abrigar o pai, caso sentisse frio. Porém, o velho pai pegou numa faca e
cortou-a ao meio, para espanto do filho. Depois entrega-lhe a metade.
- Porquê? – questionou-o, surpreso.
O pai, velho mas bastante lúcido,
explica-lhe:
- A outra parte fica para ti. Guarda-a
para quando fores velho e o teu filho te trouxer para este lugar.
O filho refletiu e consciente da maldade que fazia abraçou o pai e
pediu-lhe perdão. Depois pegou nele e regressou à aldeia. Dizem que este ato
épico terá acabado com tal tradição. O velho pai foi acarinhado até à morte.
História exemplar, esta!
Mas parece fazer parte do passado. Voltámos à antiga tradição de
abandonar os nossos entes queridos em sítios aparentemente agradáveis, mas que
encobrem grades, algemas, insultos e fome…
Por isso, olho a velhice de forma cética, porque deixei de acreditar nas
leis que geram uma sociedade de direitos e deveres.
Outra história admirável e que me acompanha
desde que estudei Os Lusíadas é a de Eneias. O herói da guerra de Tróia
e o fundador de Roma que teve de abandonar a pátria em chamas e carrega consigo
o velho pai às costas e o pequeno filho Ascânio.
“Eneias” é o símbolo da sociedade
clássica: o herói elegante, “exemplo de vida, que soube cumprir com excecional
zelo o seu dever ético, quer perante os deuses (os Penates que seu pai
transporta), quer perante os homens, na figura do próprio pai que recusou
abandonar.”
Esta bela história, presente de Virgílio, pode ainda ser vista como a
metáfora do Homem do presente (Eneias que enfrenta o impossível, mas toma a
resolução de mudar o mundo), do Homem do passado ( representado na figura do
pai que não esquece os seus valores e as suas crenças e carrega consigo as
memórias) e a do Homem do futuro, na figura da criança, o filho que leva
consigo, a promessa de um futuro auspicioso.
Apontar-me-ão
como exagerada, descrente e até apocalítica, porém peço-vos que me clarifiquem
do contrário, porque preciso de exemplos.
(Celina Seabra)
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