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Ao redor era primavera.
A chuva de inverno dera lugar a dias soalheiros e longos. O ar era quente e perfumado. Cheirava a flor de laranjeira. O aroma inebriante entontecia-me, mas não me desagradava.
Pelo ar, esvoaçavam abelhas, atarefadas em retirar das flores o máximo de pólen e néctar… Pipilavam pássaros de espécies variadas: pardais, tentilhões, melros de bico amarelo, pintassilgos…
Um chapim azul atarefava-se em fazer a corte a uma fêmea. O seu canto era suave. Havia nele toda a magia do enamoramento.
A relva era macia. Húmida do orvalho das manhãs de primavera.
O rio calmo no seu passeio matinal, espreguiçava-se ao longo do campo verdejante e as suas margens descansavam sob a sombra dos freixos e choupos grandiosos que por ali bordejavam e viviam.
Apetecia entrar dentro daquele espelho límpido em que se refletiam árvores frondosas e um céu de azul esfuziante. Cobiçava aquela paz…
O reflexo daquele canto verdejante onde ficaram os meus pesadelos, esbatia-se na água do lago…
 … uma criatura mágica e bela irrompeu  daquelas águas límpidas e sem ondulação. O seu andar de deusa – criatura deslumbrante, vestida de branco, tez clara, aureolada por cabelos escuros e compridos- conduziam-na até mim.
Aproximou-se. Olhou-me. Tomou-me a mão e beijou-a. Os lábios eram duas pétalas macias de rosas de jardim.

O seu olhar castanho – ou seria outonal? -, penetrante e suave fixou-se em mim. Sossegou-me, acariciou-me e uma paz irrompeu dentro de mim. Deixara de ser eu. Já não me sentia presa ao chão, à relva macia que antes, pisava. Pairava. O meu corpo era esguio, suave, feito da espuma cristalina das águas que jorram de altas cascatas. Ganhara altura e, mesmo sem asas, sentia que voava. O mundo era todo sossego e luz. O medo desaparecera. O peso dos maus pensamentos dissolvia-se à medida que me afastava. Nunca mais teria medo – pensei. E parti, feliz!

(Celina Seabra)

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DRAGÃO DE FOGO

Um gigantesco  incêndio  lavra o meu país. É tão pequeno, este cantinho à beira-mar, e tão grande o dragão que há já alguns dias Tomou posse deste pequeno jardim… É um ser feroz, uma alma diabólica, egoísta, Que saiu das profundezas do inferno Onde estivera hibernado, e teima em fustigar de labaredas cintilantes um cantinho que já fora verde, muito verde, quase de encantar… A cauda chamejante, magnânima,  serpenteia  o meu Portugal E a alma diabólica, impetuosa, continua a criar paisagens dantescas. E sobre nós, um céu de bronze, asfixiante… As noites surgem  avermelhadas e fuliginosas Como se tivessem acendido milhares de archotes. Ao redor, paira a cinza e as faíscas queimam as fagulhas Que já foram pinho… Mas o dragão não é fácil de atacar. Cavaleiros da paz constroem armadilhas e lutam Dia e noite a fim de vencer a Besta. Vidas são dizimadas, ceifadas como ervas daninhas… Ao dragão nada importa a não ser o prazer...
Gosto tanto de uma boa companhia! Que desagradável, quando te substituem pelo telemóvel!( E falamos nós dos mais novos!) Gosto de estar acompanhada e de acompanhar. Abrando o passo para que o Outro possa caminhar ao meu lado. Não sirvo para ilha, ainda que procure o silêncio para me escutar e renovar. Prefiro a troca de palavras e até comer de boca cheia para responder a quem questiona. Que desagradável é, fugir do olhar de quem está contigo, refugiar - se no mundo do lado de lá, sem notar quem está de cá. Algo me diz que é falta de educação, mas quem sou eu para apontá-lo a quem já passou há muito os 18 anos!? Não tenho jeito para o silêncio quando sou companhia. Mas respeito. Porém, também reflicto : nem sabes tu, desse lado que és tu, que acabaste de perder uma companheira. 🤔 (Celina Seabra)
Entre a gente também há solidão. - Foram mais ou menos estas as palavras da Raposa ao Principezinho. Sábia afirmação. Sorriso pintado é colocado tantas vezes para disfarçar o smile da tristeza, do vazio. Hoje ninguém está só. O ruído atordoa quem se extingue por dentro. A diferença preenche o desequilíbrio. Mais uma madeixas diferentes, uns tattoos extravagantes, uma maquilhagem exuberante e uma indumentária de outro mundo e ficamos sãos! Somos o que vendemos por fora e encobrimos os sentimentos que só angústiam e não resolvem a qualidade de vida. A solidão não faz amigos. Vende-se a felicidade e arranjam-se mil formas de preencher o vazio que se encharca com comprimidos, com alucinógeneos, com apostas miraculosas, com tecnologias diversas que nos encantam, absorvem e cansam... E precisamos de dormir. Não é preciso pensar. Embebedamos a Razão que é má companhia. A tristeza é barreira ao sucesso e o mundo é dos que constroem sucesso e aparentam ser Tão Felizes! (CELINA Seabra)