Ah, não ser eu vento e tudo varrer do pensamento!
Ah, não ser água e poder limpar-me de todas as impurezas que
a vida traz.
Ah, não poder ser Maga e transformar em véu o farrapo que há
em mim!
Ah, não poder ser eco, para poder gritar no vácuo e
deixar-me ir.
Ah, não poder ser nada, para tudo esquecer e nada temer!
Ah, não poder ser céu, límpido espelho do mar revoltoso que
tantas vezes rebenta em mim.
Não poder ser estuário para poder abrigar o ser inquieto e todo
o seu chinfrim.
Não poder ser rocha para não chorar, não sentir…
Não poder ser terra para em fertilidade me reproduzir…
Ah, não poder ser como toda a gente que passa, anda, ausente
dos outros e de mim!
Não poder pendurar a alma que se refugia, num estendal, e
deixar voar o ruim…
Ah, não poder ter a coragem do relâmpago que ilumina a noite
sem fim!
Ah, não poder ser útil como um dos vasos do meu jardim.
Ah, não poder ser flor para alguém poder tratar de mim. ( Malmequer,
alecrim ou até a giesta que abre sulcos no campo e rebenta num amarelo festim!)
Ah, não poder anestesiar os detalhes que germinam, florescem,
rebentam, enfim!
Não poder viver sem sentir, sem pensar, sem doer, sem olhar…
( Celina Seabra)
Comentários
Enviar um comentário