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Ah!

Ah, não ser eu vento e tudo varrer do pensamento!
Ah, não ser água e poder limpar-me de todas as impurezas que a vida traz.
Ah, não poder ser Maga e transformar em véu o farrapo que há em mim!
Ah, não poder ser eco, para poder gritar no vácuo e deixar-me ir.
Ah, não poder ser nada, para tudo esquecer e nada temer!
Ah, não poder ser céu, límpido espelho do mar revoltoso que tantas vezes rebenta em mim.
Não poder ser estuário para poder abrigar o ser inquieto e todo o seu chinfrim.
Não poder ser rocha para não chorar, não sentir…
Não poder ser terra para em fertilidade me reproduzir…
Ah, não poder ser como toda a gente que passa, anda, ausente dos outros e de mim!
Não poder pendurar a alma que se refugia, num estendal, e deixar voar o ruim…
Ah, não poder ter a coragem do relâmpago que ilumina a noite sem fim!
Ah, não poder ser útil como um dos vasos do meu jardim.
Ah, não poder ser flor para alguém poder tratar de mim. ( Malmequer, alecrim ou até a giesta que abre sulcos no campo e rebenta num amarelo festim!)
Ah, não poder anestesiar os detalhes que germinam, florescem, rebentam, enfim!
Não poder viver sem sentir, sem pensar, sem doer, sem olhar…
Viver, só por viver…


( Celina Seabra)

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DRAGÃO DE FOGO

Um gigantesco  incêndio  lavra o meu país. É tão pequeno, este cantinho à beira-mar, e tão grande o dragão que há já alguns dias Tomou posse deste pequeno jardim… É um ser feroz, uma alma diabólica, egoísta, Que saiu das profundezas do inferno Onde estivera hibernado, e teima em fustigar de labaredas cintilantes um cantinho que já fora verde, muito verde, quase de encantar… A cauda chamejante, magnânima,  serpenteia  o meu Portugal E a alma diabólica, impetuosa, continua a criar paisagens dantescas. E sobre nós, um céu de bronze, asfixiante… As noites surgem  avermelhadas e fuliginosas Como se tivessem acendido milhares de archotes. Ao redor, paira a cinza e as faíscas queimam as fagulhas Que já foram pinho… Mas o dragão não é fácil de atacar. Cavaleiros da paz constroem armadilhas e lutam Dia e noite a fim de vencer a Besta. Vidas são dizimadas, ceifadas como ervas daninhas… Ao dragão nada importa a não ser o prazer...
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