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Hoje

Na “ minha “ escola ainda ouço vozes.
Vinte e dois anos passaram num ápice!
Ao olhar o caminho percorrido não sinto saudades, sinto antes alguma nostalgia.
Nem todos os anos foram bons.
Alguns pareciam não ter fim.
O inverno é penoso! Dias curtos, cinzentos, frios, em salas frias.
Trabalho acumulado que tem de ser realizado. Se não for na escola, em casa deve ser executado.
Família que precisa de ti… de nós.
Vozes que se atropelam, que não esperam e que perturbam hoje a idade que não perdoa.
Algum riso perdido…
Mas cresci, amadureci.
Chorei muito e ri muito também.
Amei filhos que não eram os meus.
Alguns acolheram-me nos seus corações e ficarei para sempre nas suas memórias.
Para outros fui apenas tempestade passageira, relâmpago que rapidamente se perde e desaparece.
O bom de ser professor é ser reconhecido por quem já não reconheço.
A fotografia está lá, escondida na arca das tuas recordações… mas os alunos são tantos e os nomes tantos também.
E tu e eu já não somos o que éramos.
Tivemos de selecionar…
Tive de preservar-me mentalmente…
Tens de te manter viva, atenta, vigilante.
A escola onde cresci não era grande nem impessoal. Os alunos tinham rosto e não eram só um número.
Apreciei corações, almas gentis, meninos brilhantes e nos mais distantes enxerguei diamantes que precisava de polir.
Perdoei outros por me esquecerem, porque fui apenas habitáculo enquanto estive e me relacionei com eles e quando mos levaram, o olhar destes nunca mais parou em mim.
Não sou insubstituível, bem sei, mas também não sou olvidável.
Aprendi a ser nuvem passageira, flor campestre, oculta dos olhares que não sabem apreciar a bonina dos prados, mas que teimam em cortá-la… ( e eu nunca gostei que me oferecessem ramos de flores! Prefiro-as no campo, enraizadas num pedaço de terra ou num vaso de jardim.)
Hoje sou diferente, indiferente, insignificante, mas persistente para com uma família que me é cada vez mais distante e me acha ausente.
Sou pilar, voz que não se cala, olhar que encontra falha e que apoia quem por ti não fala.
Sou riso, alegria, otimismo contagiante, perspetiva hesitante, clarão que não ofusca, instante fantasiante, Sherlok Holmes de uma boa amizade, defensora da humildade sem cair na ingenuidade.
Sou também a minha desilusão, a minha depressão, olho ao detalhe, ao pormenor quando o suficiente é seres ator.
Mendiga de quimeras.
.......................................
Mas sobrevivi…
O Hoje é incerto.
A escola está mais silenciosa.
Pelas paredes trespassa a dúvida, embora continuem pintadas de branco e enriquecidas com os resultados dos que passaram por aqui. Há quadros coloridos, uns mais realistas, outros impressionistas.
Há palavras que evocam o silêncio, o respeito e que fazem do saber estar um conceito.
Há citações poéticas…
Hoje o silêncio impera – alívio para quem vive aqui todos os dias -, porém hoje parece-me vir carregado de simbolismo, de maus presságios, de fecho…
A vida há de continuar lá fora.
O futuro espera-me, espera-te, espera-nos.
Esse envelope fechado há de abrir-se nas tuas mãos,  quer queiras quer não.


( Celina Seabra)

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