Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

Vidro

 Quis inventar um tempo que já passou. Sentia falta da cumplicidade e da satisfação plena. Eu era completa e não sabia, mas o espelho que eu serigrafei  era demasiado frágil e caiu. Pensei colá-lo, restaurá-lo, mas sem o fogo intenso que o derrete  não pude modelá-lo na perfeição. As impurezas entranharam-se até ao tutano, faltou-me o sopro (saiu grito) e não fui capaz de o manter límpido como o fantasiei. Fui idealizadora e o reflexo que sonhei era só o meu  e o de mais ninguém. Manchas e bolhas surgiram para o deformar. Faltou-me a temperatura certa ou, então, Deveria tê-lo deixado ficar assim:  despedaçado,  resfriado e junto de mim. (Celina Seabra)

Natal de outrora

  Que saudades de ter a Família de outrora, toda reunida! Havia frio lá fora, Mas dentro de nós crepitava a chama do Amor e da Alegria. Os sorrisos não eram fingidos (pelo menos eu não os via assim.) Tudo era simples. Tudo era Paz. Tudo era Oração, Fé e Esperança. A lareira aquecia o lar que era de todos. Os pés batiam ao ritmo das canções de Natal! O Natal escrevia-se com letra maiúscula e tinha tanta importância para mim! Lá fora geava, Mas a missa do galo esperava-nos à meia-noite. A igreja iluminava-se de luzes e vozes, em uníssono. Hoje ouço esse passado tão perto de mim que chega a doer. Recordo os meus avós: gente simples, mas valente! Recordo a casa que hoje se encontra vazia e a desmoronar-se. As paredes aguentam as memórias de antigamente. São os ossos de quem por ali passou. Ouço as vozes que por ela sussurram. Estão tão perto de mim e o passado ficou lá atrás… Conheço-a de cor, porque faz parte de mim, Do que fui e do que sou. N...

Meditação de outono

 As árvores vestiram-se de outono e surpreenderam o meu olhar. Êxtase de quem se benze para mais um dia  que nos cumprimenta com um sorriso tutti frutti. Cores mescladas de diospiro maduro, chá de tília e limonete, banana suculenta, com framboesas a decorar...  Hummm!!! Já apetece degustar! Outono mágico, vestido de mago embriagado. Trapalhão, bem disposto, a cantarolar,  arrasta pelo chão o casacão remendado a flores e folhas secas que guarda para se almofadar, quando o frio apertar. É o outono apressado, davinci muito ocupado, músico autodidata  que sopra a caixa da chuva  e nos troca as horas que o tempo gosta de comandar. (Outono, altura de reciclar humores,  meditar temperamentos, recriar entusiasmos, renascer por dentro.) - Senhor Outono, Não se esqueça, venha de mansinho.  Afaste depressões, ciclones e ventanias, Traga calor e alguma energia,  pois o frio, cria em mim, alguma nostalgia  mesclada nesta escrita  que já soa a me...

Visionária

 Vivi um tempo pensando estar ali para sempre. O relógio girou os anos, como se soubesse de cor os dias que pensava serem meus. Os passos eram os mesmos e as vozes reconhecidas e, algumas, gastas, vestiam-se com os defeitos e as virtudes que aprendeste a reconhecer. Um dia, a roda do tempo encravou,  só no teu tempo. Sussurrou ser tempo a mais e estar adormecido. Sacudiu o pó que limpaste todos os dias  para desarrumar o trilho que deixaste pisado, porque fora sempre o mesmo. Leste: "rua sem saída". Olhaste ao redor e a paisagem, verde fixo, que fora sempre a mesma, pintou-se de cinzento. O sol não deixou de brilhar. Só deixou de focar o sítio que já era teu, sem ser teu. Abriu-se uma nova estrada e sentiste que  eras estranha. Intrusa numa vida que deixara de ser agendada. Envelhecida, mas ainda não gasta. Entorpecida, mas não tolhida. Míope, mas não cega. Por isso, Abriram-se pontes e viste horizontes.  Os sapatos incómodos deram lugar aos pés libertos, que pu...

Mar

 Há, do mar, amantes por todo o lado. Os versos e a prosa dão conta da magia que exerce. É feiticeiro,  mestre em metamorfoses, mago diplomado desde os primórdios do mundo. As fotografias são estampas que despertam aromas variados  e despoletam sentimentos em fogo-de-artifício. Do mar chegam-nos histórias fantásticas e, outras horripilantes. O mar é Janus, dúbio, matreiro, falso, até. Mas apaixona quem dele se aproxima. É luz que atrai a borboleta distraída, incauta, porque despertou para o mundo e tudo lhe parece belo. É tesouro aberto ao mundo que esconde no útero bendito tragédias, romances, encontros e desencontros, seres míticos que geraram História e estórias. O mar é fauna, flora,  água que vai e vem, lágrimas que selaram despedidas, espelho silencioso que abraça o céu. É infinito, como Deus. E eu creio Nele. (Celina Seabra)

Pensamento do dia

 Rumo a nenhures, viajo todos os dias. Vou,  guiada por regras e estereotipias, mas sigo. Sou civilizada. Li o manual Socialmente Correta. Presa ao volante, penso. E pensar exige esforço, concentração e eu não preciso de pensar. Quero ir, mas sem rumo. Ir. Sem barreiras, sem laços que atrofiem ou nos prendam a sentimentos que moem. Quero as manhãs sem agendamentos. Quero construí-las, porque vivo,  não porque tem de ser. Fiz-me escrava de um bem-estar supérfluo. O importante não é correr atrás de manhãs incertas. O importante é ir, respirar paz, tragar a serenidade, batizar-me neste céu que todos os dias se abre para mim. Este é o meu mar e eu pertenço a este céu. (Celina Seabra)

Lados diferentes

  A opinião é uma estrada de dois sentidos: O que vês quando passas à direita, Assume outra visão quando a percorres da esquerda. Há cores que só se vislumbram do lado contrário Ou porque a luz as contorna de maneira diferente Ou porque a tua passagem as permitiu ver de outro ponto de vista. Assim é com a Verdade, que pensavas ser só a tua, afinal, é a mentira da outra gente.   (Celina Seabra)