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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2020

Deixa-me chorar...

“Deixa-me chorar para suavizar o que não sei dizer, mas sei sentir.” Deixa-me chorar para me libertar desta bofetada que só a minha alma sentiu e que não retribuiu. Deixa que rolem pelo meu rosto todas as lágrimas que se criaram nesse fosso que escavaste em mim. Deixa-me chorar porque preciso de voltar a sorrir. Deixa-me pintar um arco-íris que não se vê por fora, será o suficiente para afastar essas nuvens de deceção que tu criaste. Deceção que eu conheço. Desilusão que eu teimo em encobrir. Fantasia com que amorteço o que vejo e não quero reconhecer. Deixa-me chorar. Logo, logo, volto a reerguer-me. (Celina Seabra)

Post-it

O meu olhar não é azul, nem verde, nem claro… O meu olhar vê nas palavras dos outros aquilo que eles nem pensaram no momento, porque têm memória curta ou, então, sabem conviver muito bem com uma consciência obnubilada… Eu sou instinto, mas com o tempo vou controlando o desejo de dizer umas certas verdades. Confio no tempo, embora o Tempo seja vagaroso. Mas aceito a sua lição de vida. O Tempo há de retribuir de igual maneira. Entretanto, pego no pincel e quero pintar este céu enevoado que vejo lá fora e sinto dentro de mim, de azul.   Quero-o límpido, mas há sempre uma espécie de folha vegetal que o ofusca.   Passo-lhe brilho, mas a película é imperfeita. Alguma coisa em mim não acredita nas palavras que prometem fazer, mas amanhã não fazem nada. Evito ler a promessa, mas a minha consciência duplamente consciente empurra-me o sopro que ficou nos ouvidos e não esqueço. Forma-se uma batalha; melhor, um duelo, pois sou só eu e aquelas palavras. Desconfiança. E a em...

O meu lar ao natural

O mundo parou na minha casa. Só existimos nós. Lá fora há só um caminho e este tem uma única entrada e uma única saída. Não há semáforos, nem grandes avenidas, nem parques temáticos ou citadinos. Não há néons publicitários, nem monumentos para visitar. Não há centros comerciais vazios, nem restaurantes e lojas fechadas. Não vejo prédios, nem altos nem baixos, e não há sinais de trânsito que me alertem e me obriguem a arriscar. Estamos sós, sem nos sentirmos sós. O céu é o nosso mar: azul, imenso e infinito. Abobado, é o nosso barco e partimos em viagens sem agendamento nem pressas. Ficaram para trás os horários, os mapas físicos a estudar e os panfletos estão por desdobrar. A viagem é feita sem pressas. O mar é fácil de navegar e o pensamento tem muito para imaginar. Desembarco. O jardim, nossa sala de visitas e nosso ginásio natural, convida-nos a dormitar. E o corpo estendido na relva do jardim entrega-se a prazeres que tu não ousas contar. A música abraça-te e con...

Pensamento do dia

A chuva cai lá fora. Acordou-me com o seu cantar. É um tamborilar continuo que sabe bem ouvir. Dormi a noite toda, apesar dela cair sobre a terra do jardim. Molha tudo, mas dentro de mim sabe a ribeiro jovem que acolhe vida dentro de si. Apeteceu-me dizer "Bom dia" a todos! Lá fora, o dia nasceu como faz todos os dias. E porque é primavera, os pássaros cantam por aí. Não é uma chuva de inverno: gélida, friorenta, apoquentadora. Brinca no jardim e faz sulcos entre as flores e os legumes que germinam. Há vida e encanta-me esse viver. Um dia, o meu corpo será também ele cinza nesses labirintos onde hoje rebenta a existência;  e essa exuberância, que a natureza insiste em mostrar-me, traz-me paz e energia. Hoje é um novo dia! - Ouço. Outra oportunidade para confiares e para poderes festejar! (Celina Seabra)

Cruz

Esta é a nossa cruz. Aparentemente grande, mas tão cheia de flores e detalhes que não a trocaria por nada! Supostamente pesada, mas leve em sorrisos e gestos apaziguadores. É feita de amor e de mãos que sabem o caminho da partilha. A nossa cruz não será muito diferente da cruz dos outros, mas é a nossa cruz, aquela à qual nos entregámos e perante a qual, por vezes, vacilamos, porque não somos perfeitos. E tal como as flores precisam de água e aditivos para sobreviverem, também nós despimos, muitas vezes, o traje de homem velho, cansado e desiludido face aos obstáculos que surgem, propositadamente, no caminho da nossa vida, para voltarmos a florir. E se me questionarem se quero trocar de cruz, direi que não, porque a minha, certamente, foi feita à minha medida. Deus sabe que sim. (Celina Seabra)

Epifania

A mudança acontece espontaneamente. Deixa as estações cumprirem os seus ciclos. Esquece datas e relativiza as Horas . Deixa o tempo fluir. Chora todas as mágoas para secares definitivamente as lágrimas que te fizeram desabar. Repara! Foram necessárias… Serviram para limpar o que ocupava demasiado espaço. A tempestade não faz apenas estragos. No caos surge a Razão para te ergueres, Despontam amanheceres diferentes… Foste poupado. E o brilho com que contemplarás o próximo nascer do dia Será o da descoberta mais do que redescoberta, Porque antes não o conhecias, Apenas o aceitavas. Sem te aperceberes, cresceste e humanizaste-te. És um Homem novo. Este batismo tinha de acontecer. Chama-se Epifania. (Celina Seabra)

Passagem

Serenidade, era o nome daquele lugar. Não sabia ao certo como ali chegara, mas a dor que se instalara momentos antes na sua alma, fizera-a afastar-se do sítio que a enclausurava. Ali, o silêncio persistia, mas era um silêncio mágico. Era um silêncio que tomava a forma de gente e a abraçava com carinho. Parecia dizer-lhe “ Como tardaste! Estava com tantas saudades tuas…”  Podia ouvir vozes que sussurravam numa alegria contagiante e o ar sabia a amêndoa acabada de colher. Olhou ao seu redor. Era um lugar recôndito, uma aguarela com cores primaveris. A sua textura suave, aveludada, aguçava-lhe o desejo de a tocar. Maria teve receio de que tudo aquilo fosse fruto da sua imaginação. Possivelmente, desmaiara e estava a sonhar. A dor anterior fora muito forte e agora, fora do seu corpo de mortal, sonhava aquela paisagem. E ela queria continuar assim. Aquela dor incurável, que lhe corroía as entranhas e a fazia gritar e dese...