Dentro de mim ainda
existe uma menina que gosta de brincar.
Se
outrora tive pressa de crescer,
hoje
a caixinha de música onde repousava a bailarina adormecida
voltou
a tocar.
E
o que vibra em mim é o Dó LI Tá de outros tempos;
é
o aeroplano que nos levava até ao
Céu, traçado a telha vermelha ou a giz branco, num pedaço de chão de cimento ou
somente de terra.
É
o pé-coxinho com o qual fazíamos
longas distâncias e sem cansaço. Éramos equilibristas em corda bamba e para a
qual não tínhamos rede.
Os
muros ou os passeios que separavam estrada da terra, serviam-nos de
brincadeira. Passo a passo ou pé ante pé, avançávamos sobre o abismo, de braços
abertos, aconchegando-nos na limpidez do horizonte que nos contemplava.
Passo a passo, como a criança que está a aprender a
andar. E se tropeçávamos, a queda era sustentada pela relva ou pela gravilha do
chão. Se lágrimas havia, depressa terminavam e o susto passava. Voltávamos a
tentar. Um, dois... um, dois... um, dois... e cumpria-se o objetivo. A harmonia
e a estabilidade era conseguida.
Recordo,
ainda, os saltos que treinávamos na escadaria da pequena moradia em que
residia.
Começávamos
pelo primeiro degrau e íamos avançando no grau de dificuldade. Nunca parti um
pé ou uma perna e não me lembro de a minha mãe nos repreender por tal. O aviso
" Cuidado!", esteve lá sempre, mas éramos robustos.
Hoje
os meninos parecem ser feitos de cristal...
E
quando os vejo resistentes à brincadeira física, ao convívio social,
desperta
em mim a vontade de lhes mostrar que tudo é possível de fazer. Não há que ter medo,
apenas cuidado, precaução e muita determinação.
O joga da Barra do lenço e o Jogo do mata, proporcionava-nos longos momentos de convívio e com
este desenvolvíamos capacidades como a destreza, a reflexão estratégica, a
liderança e o trabalho em equipe. Com os jogos
de roda, exercitávamos a memória e ainda recordo “ A ciranda, cirandinha”, “ O Sr. Barqueiro” e outras cantigas que
acompanhavam os nossos jogos manuais e a nossa mestria de mãos e pés. O Jogo do elástico transformava-nos em rigorosas
ginastas. A cabra-cega que um de nós
procurava agarrar e através do tato nos identificar.O jogo da bola que fazia sensação e em qualquer lugar, e sem pagar,
se treinava um campeão.
Liderança, equilíbrio, força, estimulo, perspicácia, audácia,
confiança, reflexão, controle emocional, memória e imaginação, nestas diversões
existia, sem exceção.
Hoje, tudo se compra.
Hoje está tudo no
telemóvel, nos computadores, nos tablets…
Hoje é preciso pagar
para que haja diversão: festivais de música; colour run; puzzle room; team building… - consumir até à perdição!
Imitar ou limitar, mas o importante é ali estar.
Hoje só se sentem bem
na confusão. Todos querem usufruir ao máximo cada sensação.
É moda.
Hoje não se conversa,
mas ainda se canta e quase todos querem ser cantores…
Também cantei e
muito! Talvez tenha falhado uma carreira musical, mas no meu tempo os meninos raramente
podiam usufruir de um Conservatório de Música. Era coisa de gente citadina e
rica.
Hoje é moda.
Se aprendi a nadar,
fi-lo no rio que atravessava a terra onde vivia ou então, tu, no mar…
Hoje as piscinas
servem a generalidade..
Se pesquisei, tive de
fazê-lo em livros, dicionários, enciclopédias…
Hoje, basta um
simples click e a ciência está ao
alcance da humanidade.
Só não entendo: se
hoje há tudo e se pode fazer quase tudo, qual a razão para estarmos vigilantes ao perigo e a tanto medo?
Porquê a solidão, se
o mundo está na tua mão?
É mais fácil
desistir. É mais simples não fazer. É mais fácil não cumprir.
Mas eu, que já conto
memórias, umas alegres outras que lembram o tamborilar da chuva na escuridão, voltei a ter vontade de ser
criança. E por isso, trepo muralhas; experimento descidas radicais; rodopio sem
vergonha de o fazer; torno-me equilibrista e quero saltar não quatro mas dez, quinze degraus; aproveito cada voo que um baloiço me pode proporcionar…
E volto a tentar: pé
ante pé. Primeiro devagar… quem sabe, se mais tarde a voar!?
( Estrelinha)
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